O CANDIDATO A COROINHA


Minha avó, que todos a consideramos como santa, era católica fervorosa e passava as tardes costurando roupas para os pobres. Talvez tenha sido por sua influência que eu me tornei coroinha (auxiliar de padre). Estava bastante interessado e me decidi a procurar ajuda.

Primeiro procurei um amigo, que tinha o apelido de zé mico e era coroinha, para saber como era esse trabalho e o zé mico me falou maravilhas. Que ele tocava o sino, tomava vinho de padre e que a igreja tinha partes secretas, que poucos conheciam, e onde ele corria e brincava. Pronto, tá resolvido, vou ser coroinha, vai ser muito bom e minha avó vai ficar muito feliz.

Alguns dias depois procurei o padre Tenysson e falei de minha pretensão. Ele (que devia estar precisando de coroinha) me perguntou se eu sabia bater a Ave Maria no sino. Eu fiquei pasmo por alguns segundos, mas me recuperei e disse que sim (eu tinha que ser coroinha). O padre então falou que eu fosse lá em cima e batesse uma Ave Maria para chamar os fiéis para a missa.

A torre da matriz de Ipameri tem uns vinte metros de altura, começa-se a subir por uma escada comum até a varanda onde fica o coro, depois sobe-se por uma escada quase vertical, de madeira, que balança mais conforme você vai subindo. Eu não fazia idéia que era tão difícil, mas precisava continuar.

No penúltimo andar da torre me deparei com a fantástica máquina do relógio da torre, nunca imaginei que existisse um relógio tão grande (embora o visse de longe todos os dias). Fiquei ali alguns segundos embasbacado com a altíssima tecnologia que gerou aquela máquina e continuei a subida, agora em uma escada vertical ainda mais temerosa. 

Eu estava entrando em um novo e fantástico mundo, lugares secretos onde poucas pessoas tinham chegado. Só de pensar nisso quase mijei nas calças de tanta emoção e alegria. O que mais me aguardava naquela trilha medieval, perigosa e oculta que estava se revelando às minhas impressionadíssimas retinas?

Cheguei no último andar da torre, os sinos eram enormes, especialmente o principal, e a vista era simplesmente estonteante, de onde se viam todos os telhados de Ipameri (Goiás). Engoli em seco e parei por dois minutos para renovar o fôlego e pensar na melhor forma de fazer aquele sino imenso tocar.

Logo vi uma corda amarrada no suporte do sino e entendi seu funcionamento. Pendurei-me nesta corda e, com toda a minha força e amor em meu coração, comecei a tocar. Imaginei a música Ave Maria que vovó cantava e toquei o sino no mesmo ritmo. O som do sino era incrível e quase estourava meus tímpanos, tive vontade de fugir, mas continuei. Ao terminar desci e fui tremendo procurar o padre. 

Encontrei o padre Tenysson na sacristia, todo paramentado para a missa, ele se voltou para mim sorrindo e falou que foi a Ave Maria mais bela que já ouvira, que iria me ensinar latim para que eu o auxiliasse na Santa Missa. Saí meio tonto, meio feliz... Que diabo será esse tal de latim?

Na verdade não foi difícil, aprendi apenas as palavras que deveriam ser pronunciadas na missa e achei que o latim não era tão difícil como podia parecer, quando ouvíamos o padre falar na missa. Fui estudar o latim prá valer no ginásio, ufa!

O que eu não sabia era que o trabalho do coroinha começava às cinco horas da manhã, arrumando o vinho, as hóstias e, principalmente, o turíbulo que, quando esticado, ficava quase da minha altura. E este trabalho só terminava depois das dez horas (e eu em jejum!).

Lupércio Mundim

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