A MUDANÇA PARA GOIÂNIA
Depois de nove anos em Ipameri, onde construiu uma bela sede do banco, meu pai foi transferido para Goiânia, e nossas vidas mudaram radicalmente. De uma pequena cidade do interior fomos morar na nova e bela capital do estado de Goiás. Ao sairmos da estrada, de terra, e adentrarmos na cidade eu levei dois sustos. Primeiro porque as ruas eram cobertas por macios tapetes pretos, e depois porque meu pai parou o carro só porque uma lâmpada havia acendido (semáforo).
Morávamos em uma casa confortável, com um imenso jardim na frente e um pequeno quintal nos fundos, onde residia Rex, nosso policial alemão. Logo fizemos bons amigos: Marinho, Marlúcio, William e seus irmãos, Fernando e muitos outros. Naquela época a Capital se resumia apenas ao que é hoje o seu Setor Central, sendo ainda uma cidade tranqüila e sem violência. Brincávamos no nosso jardim, o maior das redondezas, e pela Rua Dez afora (atual Avenida Universitária).
Nossas principais brincadeiras eram brincar de cowboy, rolar pneu na rua e correr do Rex. Outra coisa que adorava fazer era pegar a bicicleta (Gulliver azul) e percorrer os gigantescos dois quilômetros que separavam nossa casa do aeroporto. Lá eu me sentava na relva à margem da pista, retirava um lanche da lancheira e ficava horas esperando um avião pousar. Era um espetáculo grandioso. O moderno avião bimotor Douglas DC-3 vinha se aproximando suavemente da pista, de repente a tocava e uma tonelada de cascalho voava com grande estrondo. O avião rodava pela pista levantando uma enorme cauda de poeira, que podia ser vista a quilômetros de distância. Era fantástico, os pousos de hoje em dia já não tem graça!
Foi quando meu pai resolveu que já era hora de eu receber algumas lições de disciplina e me colocou no Colégio Assunção, colégio de freiras em regime de semi-internato. As freiras tentavam passar uma aparência durona, mas eram pessoas maravilhosas às quais muito devo. Apenas o regimento interno era um pouco religioso demais para meu gosto. Chegávamos às sete da manhã e saíamos às cinco da tarde, neste breve espaço de tempo tínhamos que participar de uma missa e algumas horas de rezas e cantorias na capela. O pior foi quando descobriram que eu tinha sido coroinha, me pegaram para auxiliar em todas as missas.
No colégio fiz bons amigos, como o Lourival e o Paulo, mas um dia me cansei daquela monotonia e, quando o Lourival me contou que seu pai tinha uma chácara nas proximidades, combinamos uma fuga. À tarde fomos jogar futebol, como sempre, e o campo ficava nos limites da área do grande colégio. O tempo todo éramos vigiados por uma madre, mas repente eu chutei uma bola para fora, o Lourival gritou para a madre que ia buscar a bola e saltou a cerca, sumindo no mato. De lá jogou a bola e não voltou. Nós corremos e gritamos bastante para chamar a atenção da pobre madre. Daí a alguns minutos eu repeti a cena, gritei para a madre que iria buscar a bola e não voltei.
Encontrei Lourival no ponto marcado e iniciamos a marcha, primeiro pelo mato para despistar possíveis perseguidores, e depois pela estrada, até alcançarmos uma torre de alta tensão, onde paramos para descansar. Depois de mais alguns minutos de marcha adentramos na chácara do Lourival, na verdade esta "chácara" era a sede de uma fazenda e era linda. Logo depois começamos nossas atividades, fomos tomar banho de cachoeira, chupar manga, andar a cavalo, passear no pomar. Quando percebemos, anoitecia. Na cidade, as freiras arrancavam os cabelos e nossos pais choravam desesperados, quem podia imaginar? Lá para as oito horas da noite surgiu o pai do Lourival, olhou para nós e sorriu dizendo para voltarmos antes que a polícia aparecesse por ali. Não imaginávamos que era tão sério. Subimos em sua camionete e voltamos para Goiânia. Meus pais estavam tão nervosos que nem quiseram me bater, simplesmente me mandaram dormir. Foi muito legal.
Lupércio Mundim
|