SERENATAS E FARRAS
O que eu vou relatar agora aconteceu nos intervalos das apresentações de nosso conjunto. Foi um período muito alegre, em que convivi diretamente com o Marinho e o Luciano. Por falar no Luciano, não posso deixar de declarar que ele é um fantástico pianista e músico. Eu e o Marinho somos bons, mas o Luciano é bem mais do que isto. Só para se ter uma idéia, ele foi um dos compositores do Hino de Goiânia.
Naqueles dias nossa diversão predileta era levar as namoradas para saborear pizzas na Pizzeria 110, acompanhadas de muitos chopes, Era um programa barato, delicioso e muito engraçado. Outro programa interessante era fazer serenatas. Certa vez eu afanei um litro de uísque do meu pai, que estava viajando com minha mãe, e tomei-o com o Luciano. O Marinho, que nunca havia tomado uísque, tomou apenas um gole e ficou bêbado (como eu e o Luciano). Acontece que havíamos marcado uma serenata com nossas namoradas. Chegamos no pequeno muro da casa da Margarida, namorada e futura esposa do Luciano, e preparamos os instrumentos. Nas serestas o Luciano tocava escaleta, o Marinho tocava violão e eu fazia a percussão, seja com um tarol ou bongô.
Os risos começaram quando o Luciano pediu ao Marinho um acorde de valsa e este iniciou um samba. Realmente esta foi a única vez em que vi o baixinho bêbado. Quando finalmente conseguimos iniciar uma mesma música o cachorro da casa avançou sobre nós que, depois de jogarmos os instrumentos para o alto, corremos mais de dez metros, até percebermos que o cachorro (miserável) só queria nos assustar. Ficamos quase meia hora rindo de nosso infortúnio. Então entramos no meu velho fusca 68 azul (que saudade) e nos dirigimos à cada da Vera, namorada e futura esposa do Marinho.
No meio do caminho o baixinho (o trio era formado por dois baixinhos, eu e o Marinho, e um gigante o Luciano) pediu que eu parasse o carro para ele roubar uma rosa para a Vera. Parei o carro e ficamos observando o Marinho pulando uma pequena grade. Quando o danadinho tocou na rosa escolhida escutou-se um estridente apito ferindo a madrugada, era um guarda de rua numa bicicleta. Ele passou a lanterna no jardim para ver se tinha alguém lá (nossa atitude era muito suspeita) e o baixinho ficou imóvel como uma estátua. Nós rimos tanto que tivemos até dor de barriga. Daí a pouco o guarda foi embora (não conseguiu ver o Marinho) e o baixinho chegou no carro com os olhos esbugalhados, foi demais. Acabada a serenata com a Vera nós fomos embora. Eu não ia arriscar mais uma serenata naquela noite indecente.
Um dia, em reunião do Clube dos Castores, decidimos que iríamos montar um acampamento na Rodovia dos Romeiros (Goiània-Trindade) para ajudar os romeiros que fizessem o caminho a pé. O exército montou uma grande barraca e eu, o Marinho, o Luciano e o Vasco (presidente do clube naquela oportunidade) fomos passar a noite lá, dentro do fusca, para vigiar a barraca. O Vasco (cumpridão) ficou dormindo no volante comigo ao seu lado e o Marinho e o Luciano atrás. Levamos muitas cervejas em uma caixa de isopor, que ficava atrás do banco traseiro. Depois de esvaziadas as cervejas decidimos dormir. No meio da noite acordamos com o Luciano pedindo para sair do carro, estávamos sonolentos e não demos atenção ao fato. De repente o Marinho grita: Meu Deus! Quando olhamos, o Luciano, completamente bêbado, estava mijando bem no meio da rodovia (que naqueles dias ainda não havia sido duplicada) e os carros passavam tirando fino dele. Foi uma correria. Na hora de voltarmos ainda descubro que o Vasco havia dormido com o pé sobre a embrenhagem, visto que ela estrava afundada no assoalho do carro.
Conseguimos material de primeiros socorros, sanduíches e a Nestlé nos ofereceu um filtro de vidro cheio de leite com chocolate, pedindo que tomássemos muito cuidado com o mesmo. Fomos para a rodovia e prestamos um serviço realmente importante. Mas já estávamos na última noite e não tinha aparecido nenhum ferido e todo mundo doido prá bancar o médico. De madrugada aparece um bêbado que tinha caído em uma vala e nós, após o enfaixarmos todo (igual a uma múmia) e o levamos felizes ao hospital. Como estávamos preparados para transportar feridos, a Polícia Rodoviária colou adesivos nas laterais dos nossos carros para não sermos detidos em qualquer hipótese. Aproveitávamos a impunidade oferecida pelos adesivos e voávamos a mais de 140 km/h (o máximo permitido era 80 km/h). Na hora de devolver o filtro de vidro à Nestlé nosso amigo Valdomiro tropeça nele. Até hoje a Nestlé não deve ter nos perdoado.
Lupércio Mundim
|