OS COMPANHEIROS
Minha melhor amiga era minha irmã Marizete, porque nós estávamos sempre nos mudando por causa do trabalho do meu pai. Eu adorava as mudanças, mas havia sempre a tristeza da perda de bons amigos. Mesmo minha irmã sendo seis anos mais nova, às vezes um só tinha ao outro como companhia e sempre adoramos brincar e brigar juntos. Houve até uma certa preocupação de alguns de que ela ficasse "meio masculina" ou que eu ficasse "meio feminino", mas brincávamos cada qual com seus brinquedos e não corremos este risco.
Depois de minha irmã vinha o Valério Aristides Lopes, grande amigo de infância. O Valério era único, não existia alguém que a ele se pudesse comparar, seja como cientista maluco ou como explorador, seja como inventor de engenhocas incríveis ou como sofredor de castigos medievais que nos faziam sentir pena e quase cair de tanto rir de sua situação. Sempre que ele aprontava, seus pais, que eram rigorosíssimos, o amarravam no pé da mesa da sala de jantar e ali ele permanecia por horas e, às vezes, até dias.
Uma de suas descobertas foi o combustível para foguetes de pequeno porte. Juntos nós fazíamos os foguetes e neles colocávamos o tal combustível. Começamos a lançar pequenos engenhos e logo estávamos lançando foguetes "tripulados" por pequenos animais. Para lançar os foguetes nós utilizávamos pavio de dinamite, um dia o pavio acabou e uma destas astronaves explodiu na cara do Valério que, por vários meses, ficou parecendo um extra-terrestre. Ele era, sem dúvida, a alegria da turma.
Para fazermos os foguetes cortávamos um pedaço de bambu (de uns 20 cm) com um nó incluído. Isto fazia com que uma extremidade ficasse aberta e a outra fechada. Pela extremidade aberta socávamos o combustível sólido (um pó preto parecido com a pólvora). Ao socarmos a última parte do pó incluíamos o pavio que ali ficava preso. Depois amarrávamos uma vara bem fina de bambu ao foguete, em forma de rabo, para dar estabilidade e colocávamos a cápsula na ponta do foguete com o tripulante. Esta capsula podia ser uma tampa de creme dental ou mesmo um dedal e o tripulante uma pobre formiga ou cigarra. Finalmente encaixávamos o foguete no tripé feito especialmente para ele e acendíamos o pavio. Era uma experiência inesquecível.
Logo criamos nossa Associação de Cientistas Avançados, uma sociedade secreta onde seus associados registravam e repartiam as mais diversas experiências, científicas ou não. Com o tempo, acabamos tendo de aceitar a entrada nesta sociedade de toda a nossa turma, neste ponto as reuniões se transformaram em verdadeiros piqueniques e a associação acabou virando bagunça. Foi quando a extinguimos.
Pois é, esse meu irmão Valério, de burro só tinha as penas. De tanto tentar, um dia conseguiu conquistar a garota de seus sonhos, minha querida prima Virgínia, e não teve um único terráqueo que não sentiu inveja daquele cara, meio maluco, meio cientista, meio genial. Hoje Valério mora em São Paulo e raramente vai a Ipameri. Virgínia mora no Rio e nunca mais viu o Valério ou Ipameri. As coisas foram se acabando aos poucos.
Outros amigos participaram desta aventura que foi a minha infância, e de vez em quando ainda me encontro com eles. Nesta lista estão meus primos José Carlos Vasconcelos e Marco Antônio Cunha, minha namoradinha Helenice Porto, a Luciana, irmã do Valério, e meus amigos Selim Jorge, Joel e seu irmão "Barata", Paulo Sérgio Castorino e sua irmã Ana Maria. A lista é grande mas estes foram os mais próximos e constantes.
O "seu Chiquinho", pai do Valério, tinha uma camioneta chevrolet modelo 1929 e deixava o Valério dirigi-la, já que ele era um bom motorista e não havia polícia de trânsito em Ipameri naquela época. Os passeios na "furreca" eram incríveis, ela ficava sempre um pouco acelerada, de forma que a deixávamos seguir pela rua em marcha lenta enquanto pulávamos para fora e, às vezes, subíamos em sua caçamba, assustando todos pelo caminho, pois eles pensavam que a "furreca" estava com um motorista fantasma. Graças à calmaria reinante nas ruas de Ipameri, nunca batemos a "furreca", mas fazíamos o diabo com ela.
Lupércio Mundim
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