A GALINHA DO VIZINHO


Nosso quintal tinha todos os tipos de frutas: manga, laranja, mexerica, lima, caju, jabuticaba, banana, entre outras, e todas, deliciosas, ao alcance de nossas mãos. Mas quase não tocávamos nestas frutas porque, seguindo o ditado, a galinha do vizinho é sempre mais gostosa. Adorávamos andar sobre os muros e pular nos quintais dos vizinhos para roubar frutas. Foi nestes muros e quintais que vivemos algumas de nossas mais incríveis aventuras.

O maior e mais visitado quintal era justamente o pomar de meu amigo Valério. Ele era uma pessoa extraordinária e jamais levou estas visitas a sério, mas tinha um irmão mais velho, Luiz, que considerava a defesa do pomar sua missão divina. Armado de uma espingarda "filobé" que tinha uma boa lanterna presa a ela para tiros noturnos (toda a família era composta de inventores) e com ela nos caçou algumas vezes. Nossa sorte é que ele dava tiros apenas para nos assustar.

Outro quintal com bom índice de visitas era o de Dona Belisária. Por ser colado ao nosso quintal, tínhamos uma grande facilidade de lá adentrar, chegamos até a rebaixar uma parte do muro para facilitar o nosso "trabalho". Mas Dona Belisária, talvez irritada com tantos furtos, comprou discretamente um cachorrão e o soltou no quintal de baixo. 

Geralmente os grandes quintais eram divididos em quintal de cima (um pequeno quintal) e quintal de baixo (o pomar). Quando entardeceu nós pulamos o muro, mal demos um passo e o cachorrão avançou sobre nós. Nossa reação foi instantânea e pulamos de volta, escapando por pouco das mandíbulas do animal. Perdemos por alguns meses a vontade de saltar muros, em especial o de Dona Belisária.

Nossa audácia era tanta que, não contentes em roubar frutas, às vezes ainda voltávamos mais tarde para surrupiar uma galinha para a galinhada. Após decidir quem seria o responsável pelo rapto da bípede, pulamos o muro de um grande criador de galinhas, caminhamos até as árvores onde os bípedes dormiam e aguardamos que o escolhido fizesse seu trabalho.

Certa feita o escolhido encaminhou-se até uma das árvores e pegou uma das galinhas pelos pés e não pelo bico, como costumávamos fazer (para que ela não fizesse barulho). A danada fez um escândalo tão grande que tivemos que correr quilômetros para conseguir fugir do desvairado proprietário. 

Quando ofegantes paramos e nos certificamos de que não éramos mais perseguidos perguntamos ao colega onde estava a galinha, ele fez uma expressão de espanto e nos garantiu que a tal galinha havia "desaparecido" de suas mãos no decorrer da corrida. Que fiasco, mas nós o adorávamos e este fato não arruinou nossa amizade.

Outros amigos daquele período eram os irmãos Bill e Cyntia O´Dwyer, com os quais íamos passear na Praça da Liberdade e ao Cine Estrela, onde consumíamos dezenas de balinhas. Com uma moeda de um cruzeiro comprávamos um monte de balinhas sortidas que logo eram divididas. Em uma destas noites assistimos a um filme de terror em que um morto-vivo tinha a mão gelada. Depois que todos dormiram eu me levantei, coloquei a mão dentro da geladeira por alguns minutos e corri para tocar nas mãos de minha irmã, que também assistira ao filme. Ela deu um grito que assustou e acordou a todos. O que atrapalhou meu plano foi minha má fama, logo meu pai entrou no meu quarto, onde eu fingia estar dormindo, e pegou minhas mãos. Apanhei o suficiente para nunca mais aprontar dentro de casa. 

Lupércio Mundim

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