A MELHOR PARTE


Aos poucos os veteranos partiam e, um belo dia, percebemos que agora os veteranos éramos nós. Foi neste período que começamos a viver a melhor parte do internato e, talvez, de nossas vidas. Uma das coisas que melhorava sensivelmente para os veteranos era a liberdade, agora podíamos sair uma ou duas vezes por semana, às tardes, e nossa "área de atuação" se estendeu pela cidade toda. Passeávamos, bebíamos e namorávamos, finalmente nos sentíamos felizes.

De todas as experiências, as melhores eram as sexuais, que relatávamos uns aos outros em ambiente de extremo segredo e alegria. O interessante é que ensinávamos aos mais novos com nossos casos e aprendíamos com os dos mais velhos. Era uma das matérias mais importantes do internato, num tempo em que nem se falava em educação sexual.

Nossos programas geralmente eram em grupo, primeiro porque nós éramos muito amigos, segundo porque é muito mais animado. Geralmente nós comprávamos um litro de Coca Cola, bebíamos um copo e completávamos com cachaça. O coquetel recebia o nome de Samba. O motivo da escolha devia-se aos miseráveis adiantamentos que recebíamos do colégio (eles sabiam o que estavam fazendo). Acompanhados das namoradas e de um litro de Samba, íamos a lugares interessantes e solitários como o jardim da casa de Santos Dumont ou a estradinha que conduz ao Santuário de Fátima, que fica num morro de onde se avista toda a cidade. O duro era descer a pé aquelas curvas, estando alcoolizado.

Certa vez meu pai, num raro momento de insanidade, me emprestou o carro para ir a Petrópolis. Na ida não tive problema, mas na volta reuni o alto comando e compramos um garrafão de vinho para tomar no caminho. Acontece que havia muita pressão no garrafão e quando o abrimos todo o interior do carro (inclusive nós) ficou vermelho. Tive que passar toda a tarde lavando o carro umas vinte vezes para aprender a não arranjar confusão.

Nesta época começamos a participar da banda, e o alto comando ficava reunido na última fila da banda, a famosa "bunda da banda". Eu e o 86 tocávamos tubinha e o 10 e o 46 tocavam tuba. Era ótimo porque, além de termos privilégios especiais, participávamos de excursões e paradas.

Numa destas excursões, a uma cidade vizinha, íamos na "lotação" do colégio tocando samba e aprontando a maior farra. Quando chegamos, fizemos um desfile na cidade e depois fomos tocar em um ginásio, onde jogaria o nosso time de futebol de salão. Fazíamos muito barulho para atrapalhar os adversários e, de quebra, ainda íamos brigar com a torcida deles, era bom demais. Numa destas oportunidades eu empunhei a gloriosa bandeira do Colégio São José e fui para cima da outra torcida. Se não recebesse o reforço do resto da banda estava frito.

O internato era um mundo tão vasto que dificilmente conseguiria contar mais do que 50% do que ali se passou durante os três anos em que o freqüentei. Havia um verdadeiro mercado negro que vendia de cigarros americanos a uísque escocês, passando por jeans importados e camisas Lacoste. Mas convém lembrar que o mal, como o bem, existe em todo lugar, até em templos, por isto o colégio não tinha qualquer culpa pelo que ali acontecia, muito pelo contrário. Nós éramos revistados sempre que entrávamos ou saíamos e a disciplina era rigorosa, mas não há como evitar este tipo de coisas. O importante é que muito poucos aderiam a esta onda.

Aproveito para agradecer ao Dr. Mário, Diretor do Colégio, e a todos os professores e funcionários pelas oportunidades que me proporcionaram naquela Instituição, oportunidade de estudar, aprender o que é certo e de me tornar um homem correto. Foi graças ao Colégio São José de Petrópolis que consegui me formar em Direito, realizando um velho sonho meu e de minha família, que minha vadiagem no Rio de Janeiro estava me impedindo de realizar.

Lupércio Mundim

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