O DANÚBIO AZUL
Fizemos tanto barulho na cabine que, graças a Deus, acabamos atraindo a atenção de um oficial, alto, moreno, cabelos cortados bem rentes e óculos redondos bem pequenos. Entrou e perguntou-nos o que acontecia. Para nossa felicidade, depois de tentarmos falar até alemão, descobrimos que ele falava italiano. Como tínhamos aprendido o italiano, tudo ficou fácil. Explicamos para o oficial que o passaporte era diplomático e que os soldados não podiam abrir nossa mala. O oficial pediu desculpas e, depois de carimbar nossos passaportes, nos deu boas vindas à Iugoslávia. Esperei o trem sair daquele campo para respirar aliviado.
Ao anoitecer chegamos a Belgrado e lá estava o infalível motorista nos esperando. Desta vez não estava nevando tanto e, com certeza, aproveitaríamos mais a estadia. Nosso primeiro passeio foi a um monte próximo a Belgrado, onde havia um monumento. No caminho ainda poderíamos ver o local onde um avião de passageiros se chocou com o monte na década de quarenta.
O monumento é todo em mármore com seis figuras enormes representando os seis povos que se uniram (na marra) para formar a Iugoslávia. Creio que hoje eles já se separaram por completo. O monumento é belo, mas o que mais nos impressionou não foi o monumento, nem o monte, nem onde o avião bateu, mas as mais de duzentas mil balas encravadas no monumento durante uma batalha na segunda guerra mundial, entre os alemães e a resistência iugoslava. Foi uma das primeiras marcas da segunda guerra mundial que eu vi em minha vida. Como me considero um estudioso do evento, foi um achado e tanto.
Nossa segunda visita foi a um parque, que tem um castelo em seu centro, banhado pelo rio Danúbio. Este lugar foi transformado em museu ao ar livre, onde encontrei peças de artilharia e, até tanques panzer alemães da segunda grande guerra. Nem acreditei no que vi ali. Mas o que me deixou perplexo foi o rio, que apesar de imortalizado na valsa Danúbio Azul, é completamente negro. Onde será que eles viram traços de azul ali?
Outro bom passeio foi à embaixada americana, uma adorável ilha capitalista naquele inferno vermelho. Ali pudemos comprar cigarros americanos, assistir a uma comédia e, até, comer uma deliciosa pipoca americana. Nas ruas de Belgrado não tínhamos coragem de comprar nada, até os cigarros eram russos, intragáveis, mas acabei comprando uma câmera fotográfica profissional russa.
Devíamos aproveitar porque em algumas semanas voltaríamos a Roma (outra vez?), de onde partiríamos para o Brasil. Assim, depois de muito passearmos, embarcamos de volta a Roma. A companhia aérea estatal nos serviu mais uma penca de bananas verdes, mas desta vez estávamos prevenidos e tínhamos levado os nossos lanches, que incluía até uma Coca Cola.
Descemos em Roma e, ao invés de embarcarmos para o Brasil, resolvemos passar mais alguns dias ali. Meus pais deviam estar arrancando os cabelos. Revisitamos todos os recantos daquela cidade, matando a saudade de nossas trattorias preferidas. Só não voltamos ao Vaticano, que nos cobrava um dólar até para ver um retrato do papa, exploradores. Não poderia continuar católico depois de ver no Vaticano o maior tesouro do planeta, enquanto o mundo passava fome. Como o papa poderia ser o representante de Jesus se este tinha apenas uma túnica e um par de sandálias? Comecei a pensar que deveria haver uma religião que não se preocupasse em reunir tantas riquezas.
Antes de embarcar fui à Fontana dei Trevi para jogar uma moeda e desejar voltar a Roma um dia. Dizem que funciona, mas comigo até a presente data... Embarquei com o pensamento de que precisava voltar um dia, para fazer tudo aquilo de novo, mas com a consciência de que isto era muito difícil de se realizar. Estava feliz por retornar ao Brasil, mas uma profunda tristeza tomou conta de mim. Arivederti Roma...
Lupércio Mundim
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